Granado: uma história de empreendedorismo, brasilidade, memória afetiva e, claro, muita Química

Eu era tão pequeno, desconhecia a noção de tempo tão quanto o teu valor, mas a cena é inapagável: chegava à casa de minha vó materna e, sorrateiramente, estava eu lá – de frente à Porta da Esperança (“Ma oe”, Sílvio Santos – quem lembra?) – mas não extasiado, olhando para a televisão esperando tal programa, e sim, ansioso para abrir aquelas duas portas de fórmica vermelha, com detalhes nas cores branco e puxadores em prata,  era um armário suntuoso (para a época, e, também, para o meu tamanho de pingo de gente).

Abrir aquelas portas era mergulhar num oásis, ter os olhos brilhantes diante do que eu encontrava ali dentro. Chamava-me a atenção aquele cheiro… um pacote de sabonetes com embalagem em cores amarela e outro tom avermelhado, por dentro o produto tinha sua essência marrom com cheiro característico de rosas, era o famoso Odor de Rosas. 

Poderia ser um cheiro “forte” para o olfato de uma criança, entretanto, eu ficava inebriado pela suavidade do mesmo quando minha vó saía do banho, perfumada, arrumada em seu minimalismo e grampos nos cabelos, milimetricamente distanciados. Sentava em seu colo, abraçava-a e puxava aqueles grampos, ela sorria, apenas isso!

Essa é a mais doce lembrança que tenho dela, partira quando eu comecei a ter noção do tempo…! Friso que, a memória dela tanto como do tempo da minha “Porta da Esperança” se fazem presente no meu cotidiano, pois assim como a progenitora, eu sou fã e uso tal sabonete. Hoje, a casa de vó não existe mais, mas o cheiro daquela Senhora adorável jamais será esquecido, ninguém o tira de mim. 

A vó, também, costuma usar outros produtos, que ficavam expostos em sua penteadeira, a maioria fazia parte da linha Granado, marca tão genuína assim como o pau-brasil.  A empresa carioca da gema foi inaugurada em 6 de janeiro de 1870 pelo imigrante português José Antônio Cochito Granado, a primeira loja permanece em funcionamento no Centro do Rio de Janeiro, na rua Primeiro de Março.

O espírito empreendedor, Cochito Granado buscou na tecnologia, a capacidade de estar cada vez melhor. Dentre os importantes títulos que a botica Granado logrou, a Pharmácia Oficial da Família Imperial Brasileira, foi o mais importante, concedido por D. Pedro II. Logo a notoriedade da marca é atingida pela comunidade científica e socialmente.

Além de empreendedor, seu dono era um verdadeiro visionário, a Granado foi a primeira empresa a adotar a prática de sustentabilidade, como a plantação em sua propriedade serrana de aproximadamente de 300 espécies de plantas medicinais que serviam de insumos as pesquisas para produção de novos fármacos, extratos, óleos e essências naturais.

Vale destacar duas características importantes: é a pioneira na produção de sabonete à base vegetal e não realiza testes em animais! Em 1994, a botica é vendida para o economista Christopher Freeman, que a torna mais promissora, novos produtos são inseridos na linha produtiva e abertura para o varejo em territórios brasileiro e internacional (mais de 90 lojas distribuídas no Brasil, França e Portugal). 

No final do século XIX, a população do Rio de Janeiro era assolada por diversas enfermidades devido às precárias condições sanitárias concomitante ao crescimento populacional. Existiam inúmeras boticas para manipular medicamentos e bálsamos para aliviar os males daquelas pessoas.  Foi nesse contexto que a Granado teve seu nascimento, era uma “pharmácia”. Em seus primeiros anos de operação, a farmácia manipulava produtos com extratos vegetais de plantas, ervas e flores brasileiras cultivadas na chácara (em Teresópolis) do seu fundador.

Não demorou para que o reconhecimento nacional fosse evidenciado devido à qualidade dos produtos. Houve o início do desenvolvimento de cosméticos, a começar pelo polvilho, idealizado pelo Bernardo (químico, irmão do Cochito), que tem sua fórmula inalterada nos dias de atuais e é o produto carro-chefe. Inclusive, naquela época, o médico sanitarista Oswaldo Cruz aprovou a formulação do talco. A partir de então, a companhia prosperou, desde a inserção de novos produtos à aquisição da fábrica/marca Phebo. 

Sabonetes glicerinados, por exemplo, possuem vantagens significativas, pois são capazes de manter a maciez e a flexibilidade da pele do rosto e do corpo, em virtude da sua capacidade umectante. Isso significa que ela atrai água e, com isso, as células ficam mais aderidas umas às outras, conferindo proteção extra e facilitando, inclusive, a absorção de outras substâncias.

Outro benefício da glicerina é que ela é eficaz na redução de dermatites, acelerando o reparo dos tecidos danificados, em virtude da ação antibacteriana. Com isso, ela também é muito usada na prevenção do envelhecimento. E quanto ao cheiro, esse fica impregnado na pele e em nossa memória por muito tempo!

Mas, como é que conseguimos sentir o cheiro das coisas? Como é possível termos a associação de um cheiro característico e atribuí-lo a uma pessoa? Como será que uma molécula causa a sensação de odor? Quais são essas moléculas? Como elas estimulam os quimiorreceptores presentes no nariz?
Bem, em linhas gerais, essas moléculas devem ter, pelo menos, uma pequena solubilidade em água, pois o muco é uma solução aquosa de proteínas e carboidratos. T

ambém, é necessário que essas moléculas tenham uma parte lipossolúvel (solúvel em gordura), já que os quimiorreceptores (receptores sensoriais sensíveis à presença ou concentração de determinadas substâncias químicas) possuem essas características. Existem milhares de moléculas que causam a sensação de odor.

Essas moléculas são chamadas de fragrâncias, quando causam um odor agradável e, por isso, podem ser utilizadas em cosméticos, perfumes etc. Para que uma molécula provoque um determinado odor, ela deve estimular os quimiorreceptores presentes no nariz. Existem cerca de 50 milhões de quimiorreceptores no epitélio olfativo, sendo que estes são os neurônios verdadeiros que estão continuamente sendo repostos. Esses neurônios são estreitamente ligados aos centros de processamento das emoções, da memória afetiva… por isso, que o cheiro é algo tão característico de se um ser! 

Acredito que a paixão pela Granado vai além dos produtos de extrema qualidade, a história da companhia confunde-se com a própria (parte) história do Brasil, confunde-se com as tantas histórias de nossas avós… Queria eu, ter a chance de bater à porta da vó, de sentir aquele cheiro suave de Odor de Rosas pairando no ar, de vê-la sentada elegantemente, de receber aquele dinheiro secreto como se fosse algo ilegal, de deitar a cabeça no seu colo outra vez.

Entretanto, não consigo nem se quer chegar à cozinha da “nona” para saborear aquela comida, nem vejo mais aquele armário vermelho da Itatiaia na sala, pois a casa da vó se fechou há um bom tempo. E, quando se fecha a casa da vó é sinônimo dizer adeus a tudo aquilo que tínhamos de mais precioso na vida: o seu aconchego. 

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*Ícaro Mota Oliveira é pós-doutorando na Universidade de São Paulo (USP), Doutor em Ciências pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Mestre em Química pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atua nas áreas de Nanotecnologia, Química de Materiais e Educação Química, diretor executivo e membro da Academia Brasileira de Jovens Cientistas (@jovenscientistas.abjc), divulgador científico e pesquisador, membro colaborador do Ciência Brasileira é de Qualidade (@ciencia.brasileira), do QuiCiência (@quicienciaiqb) (IQB/UFAL), da Usina Ciência da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX/UFAL) e revisor dos periódicos.

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