O único objetivo de um vírus é se multiplicar. Para isso, ele conta com uma vantagem poderosa: a capacidade de gerar mutações em relação ao agente infeccioso original. É assim com o Influenza, causador da gripe, e com o Sars-CoV-2, que provoca Covid-19. Com base nisso, especialistas já começam a considerar a atualização das vacinas disponíveis para o enfrentamento da quarta onda da pandemia de Covid.
Os imunizantes desenvolvidos para proteger a população foram criados a partir da proteína spike, usada pelo coronavírus para invadir as células do corpo humano e se multiplicar. Porém, é exatamente nesta proteína que está a maioria das mutações que permitem ao vírus driblar o sistema imunológico e seguir infectando o hospedeiro – no caso, os humanos.
Para combater o Influenza, um vírus endêmico e que sofre rápidas mutações, uma nova fórmula de vacina é desenvolvida todos os anos, e as pessoas dos grupos de risco são imunizadas periodicamente. Para especialistas, este é o caminho a adotar em relação à Covid.
O imunologista David Martinez, que integra os times que criaram as vacinas da Moderna e Janssen contra o coronavírus, além das terapias de anticorpos monoclonais da AstraZeneca e Eli Lilly, acredita ser bastante provável que tenhamos que lidar com a doença exatamente como fazemos com a gripe.
“Embora as particularidades dos vírus Influenza e Sars-CoV-2 sejam diferentes, acho que o campo que investiga a Covid-19 deve pensar em adotar sistema de vigilância semelhante a longo prazo. Ficar atualizado sobre quais cepas estão circulando ajudará os pesquisadores a atualizar a vacina para corresponder às variantes predominantes do coronavírus”, escreveu, em artigo publicado na plataforma de divulgação científica The Conversation.
O médico diz que novas variantes do vírus provavelmente vão surgir nos próximos meses. O problema é saber, com antecedência, qual será a predominante para criar uma vacina adaptada. Ele defende que a nova fórmula seja feita a partir da Ômicron, já que as novas variantes com melhor capacidade de transmissão são sublinhagens desta cepa.
Esquema completo com três doses
O infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que o esquema de proteção para a Covid-19 passou a ser de três doses, com um reforço para idosos e outro para imunossuprimidos severos. A terceira dose, portanto, não é considerada mais um reforço, e sim parte do esquema vacinal obrigatório.
Até agora, o protocolo tem sido suficiente para evitar quadros graves e óbitos, inclusive em pacientes infectados pelas variantes da Ômicron, uma cepa já bastante distante do coronavírus original, que deu início à pandemia, em março de 2020.
“Agora, para prevenir doença leve, evitar a transmissão, nenhuma dessas vacinas que aplicamos atualmente é boa. Vimos que a Ômicron não poupou vacinados, mas a imunização evitou desfechos graves. Ainda assim, precisamos desenvolver outras vacinas: a forma leve sobrecarrega o serviço de saúde, pode causar Covid longa e aumenta as chances de transmissão para pessoas vulneráveis”, explica o médico.
Para o infectologista David Martinez, um reforço atualizado que se assemelhe mais às subvariantes Ômicron de hoje, juntamente com a imunidade que as pessoas já têm desde as primeiras vacinas, provavelmente oferecerá melhor proteção no futuro.
“Isso pode exigir reforços menos frequentes, pelo menos enquanto as sublinhagens continuarem a dominar”, diz o especialista.
Novas vacinas
A Moderna, fabricante de uma vacina contra a Covid-19 aprovada nos Estados Unidos, divulgou, na última semana, resultados positivos dos testes clínicos de sua vacina feita a partir da Ômicron. Os pesquisadores descobriram que a dose de reforço com a nova fórmula induz a formação de oito vezes mais anticorpos do que a vacina atual.
A expectativa da empresa é que o imunizante esteja disponível para aplicação em setembro.
Em janeiro, a Pfizer/BioNTech anunciou que estava criando uma fórmula a partir da Ômicron. A expectativa era que a vacina começaria a ser aplicada em março, mas o processo de coleta de dados foi mais lento do que o esperado e, por isso, a entrega foi adiada.
Em posicionamento enviado ao site Metrópoles, a Pfizer afirma que foi adotada uma abordagem mais abrangente para a vacina de nova geração, e está sendo avaliada a segurança, tolerabilidade e imunogenicidade de uma dose alta da nova fórmula.
“Quanto à chegada ao Brasil, dependerá dos resultados dos estudos e, posteriormente, das análises regulatórias”, diz a nota da farmacêutica.
Outra opção em desenvolvimento é a criação de uma fórmula universal, que funcione para todos os coronavírus e suas variantes.
“A ciência já criou múltiplas vacinas seguras e eficazes, que reduzem o risco de Covid-19 grave. Reformular a estratégia de reforço, seja por uma fórmula universal ou atualizada, pode nos ajudar a finalmente sair da pandemia”, escreve Martinez.
Apesar de a pandemia continuar e boa parte da comunidade científica estar estudando o coronavírus, o cenário futuro e a necessidade de novas doses e reforços ainda não estão claros.
“Não sabemos nem se vai ser necessário tomar mais vacinas, quanto tempo a proteção vai durar, de quanto em quanto tempo precisaremos de reforço. Não sabemos e não temos qualquer evidência que aponte nesse sentido”, afirma Kfouri.
O infectologista lembra que não se sabe como o vírus vai evoluir: pode ser que a pandemia acabe, e só os grupos prioritários sejam vacinados, por exemplo.
Pode ser que ocorra o contrário: o surgimento de mais uma variante que consiga fugir da imunidade criada pelas vacinas, e a população mundial precise receber outro reforço.
* Com informações do Metrópoles