“O fato de ser negro, nordestino e LGBT me coloca em lugar de dificuldade”, diz vencedor do Prêmio Braskem
O dramaturgo Gildon Oliveira brilhou este ano na categoria ‘Texto’ por dois espetáculos: Cintilante e Aviamentos
Ao longo de 2023, diversas personalidades tiveram atuações de destaque em suas respectivas áreas. No campo da Cultura, mais especificamente no Teatro, o Portal M! ouviu o escritor e dramaturgo Gildon Oliveira, que venceu o Prêmio Braskem na categoria ‘Texto’ por Cintilante e Aviamentos. Ele falou sobre as realizações do ano, projetos para 2024 e as principais dificuldades enfrentadas.
Como escritor e dramaturgo, Gildon revelou que lida com dificuldades de diversas ordens, a partir da reflexão sobre os seus marcadores sociais e considerando também seus lugares de identidade.
“Aquilo que te forma, te constitui enquanto artista, mas não é possível separar uma coisa da outra. Você é uma artista em operação. Você está criando uma obra para determinado contexto, determinado recorte da história e um campo onde essa obra vai ser inserida. E quando a gente fala isso, esses atravessamentos são importantes. [O fato de] eu ser negro, nordestino e pertencente à comunidade LGBTQIA+, me coloca em um lugar de dificuldades e obstáculos”, aponta.
Entre as dificuldades listadas pelo escritor, uma está ligada ao seu local de atuação, situado fora do eixo Rio-São Paulo, região em que está a maioria de patrocinadores e onde existe uma “efervescência” em relação à quantidade de produção.
“A quantidade também é importante. Às vezes, ela é tão importante quanto a qualidade daquilo que é feito. Porque através da quantidade, você consegue também modificar parâmetros, você consegue a possibilidade de fomentar certificações, desenvolvimentos, aprimoramentos e, então, alcançar qualificações. E isso, claro, está incutido. É importante a gente sempre ter isso no nosso horizonte”, pontuou.
Outro aspecto da produção de Gildon, que também faz roteiros para cinema e séries, é a diferença no processo de escrita de cada tipo de trabalho. Perguntado sobre isso, o escritor ressaltou a existência de uma maior liberdade na composição e criação dramática do teatro.
“A composição audiovisual teve que ser mais moldada no sentido de pensar um modo de operação que pudesse ter esse lugar de entendimento, de orçamento ligado a isso. Claro que pensamos no orçamento no teatro, mas falo no sentido da composição. No teatro, podemos dizer que a personagem está em um país e na cena seguinte, em outro, pode se criar cenário ou ‘palco nu’, só com a presença do ator. Já no audiovisual, você precisa de mais aparato, o que torna tudo muito mais caro. Então acho que a principal diferença está aí, nessas possibilidades que o teatro permite”, descreve.
Formação e início no teatro
Doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), na linha de pesquisa Dramaturgia, História e recepção, Gildon também é mestre em Artes Cênicas pela mesma instituição e especialista em Roteiros para Audiovisual pela Universidade Jorge Amado.
Além disso, ele atua de forma efetiva no ensino e na prática das artes cênicas, do audiovisual e cinema, principalmente na área de pesquisa, supervisão, consultoria e criação em dramaturgia e composição de roteiros para cinema e audiovisual. Ao longo dos anos, o dramaturgo recebeu outras quatro indicações no Prêmio Braskem de Teatro, na categoria ‘Melhor texto’.
A relação de Gildon com o teatro começou muito cedo, através da escola e, posteriormente, nos grupos da cidade. Ele realizou trabalhos esporádicos, quando havia a possibilidade de projetos voltados para a cultura e a arte. O desejo de se voltar para a escrita surgiu apenas na faculdade, quando se formou em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).
“O desejo pela escrita aparece na faculdade, sempre envolvido com teatro, e ali também as minhas primeiras experimentações, que já vêm junto com as primeiras leituras, encantamento por dramaturgia, tendo a possibilidade de conhecimento mais aprofundado, considerando o contexto da época. Então, eu conheço Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, autores brasileiros que vão povoar muito a minha mente, o meu imaginário, me dar um arcabouço de referência, que vai moldar também a minha forma de pensar a dramaturgia”, contou.
O primeiro resultado da proximidade de Gildon com a escrita, no entanto, surgiu através do projeto de extensão do qual fazia parte como aluno, na Escola da Teatro da UFBA, ministrado pelo professor Marcos Barbosa. Na época, o projeto resultou no livro Quatro Cravos para Exu.
“Tinham quatro escritores novos com dramaturgias curtas, experimentando a possibilidade de construção de textos pequenos, lançando o livro, fazendo a leitura dramática, a encenação. Mas aqui e ali, já está plantada uma semente”, destacou.
Processo de criação
Outro ponto comentado por Gildon foi o seu processo de criação, a sua rotina de trabalho, desde o surgimento da ideia até a formatação final dos textos. Segundo o escritor, um ponto que o interessa é o de sempre tentar entender a sistematização desse processo.
“Não é pensar de maneira formulada. É entender como a funcionalidade se dá a partir da minha própria prática, a compreensão dos meus movimentos enquanto criação. Então, me permitir ter disparadores, estímulos que vêm de diversas formas. Pode ser música, pode ser uma imagem, pode ser uma gravura, pode ser uma coisa que me contaram, uma fala que eu ouvi na rua, um filme que eu assisti, um livro que eu li, pode vir de diversos lugares”.
Além destes possíveis ‘gatilhos’, o dramaturgo ressaltou que existe um procedimento que costuma ajudá-lo, que é o entendimento da necessidade de “deixar isso fluir, fazer os primeiros rascunhos”.
“Às vezes, os primeiros rascunhos podem ser uma situação dramática, pode ser um perfil de uma personagem, pode ser um diálogo, a reprodução de uma cena. À medida em que isso vai evoluindo, surgem minhas perguntas, que eu chamo de norteadoras, que você tem que se fazer enquanto artista para tentar compreender e nortear o seu próprio processo. O que é que você deseja discutir com aquilo? O que é que você deseja que o público sinta? Essas perguntas eu mesmo me coloco em cada trabalho que eu inicio”, descreveu.
A composição de personagens e a criação de diálogos são considerados pontos fontes da sua produção. Na avaliação do escritor, isso se dá a partir do entendimento de que o personagem é o elemento fundamental da dramaturgia.
“É através dele que você consegue uma conexão muito mais aprofundada na relação entre espectador e obra. É através do personagem que o público pode sentir a obra, é através dele, das vivências que ele tem. É possível que aconteça uma catarse, e explorar isso me interessa muito”.
O escritor também acredita que, quanto mais complexo for o personagem, maior a capacidade de falar de coisas mais interessantes e inusitadas nas cenas. “Isso se torna um trabalho, que mesmo que pareça rotineiro e cotidiano, poderá surpreender o espectador”.
Principais referências
Gildon também falou sobre suas principais referências no teatro nacional e baiano. De acordo com ele, alguns nomes como Gleise Mendes, professora da Escola de Teatro da UFBA, e o professor Marcos Barbosa são “muito preciosos”, porque fizeram parte de sua formação acadêmica, enquanto professor, pesquisador e artista.
“Quando penso um teatro baiano, as minhas maiores referências são a professora Gleise, que foi minha orientadora no doutorado, e o professor Marcos Barbosa. São duas referências pelo comprometimento com esse ofício da escrita dramática, pelo compartilhar do saber, pelo entendimento de que é preciso fomentar espaços para a formação e criação. Além de todo meu carinho e respeito, são responsáveis pelo meu lugar de formação”, elogia.
Outro ponto importante abordado pelo dramaturgo foi a capacidade de a Bahia ser um celeiro de talentos em todas as áreas das artes cênicas, com destaque para o campo da atuação. Nomes como Lázaro Ramos e Wagner Moura, por exemplo, têm grande visibilidade e prestígio.
No entanto, Gildon chamou atenção para o fato de que esse universo não “configura o todo”. “Tem que ter mais. Quando a gente fala de um que se destacou, não podemos cair na armadilha de ser o ‘preto único’ que se destacou, ou o LGBT único, para não criar uma romantização do se ‘se esforçar, vai conseguir’. Não é assim na prática, não é tão simples assim, porque nossas existências são diversas e complexas. É preciso ter esse entendimento, de que essas existências artísticas precisam dessa compreensão de que elas são políticas o tempo inteiro”.
Prêmio Braskem
No Prêmio Braskem, esta foi a quinta indicação de Gildon. Em outras, o roteirista já concorreu com as peça infantis, Olorum e Avesso, acumula ainda outra indicação dupla por Vermelho e o monólogo Das coisas dessa vida, além de outro espetáculo teatral realizado no período da pandemia, em versão online: Pequenas histórias de grandes amores.
No entanto, foi com Cintilante e Aviamento que o escritor foi premiado. Na primeira obra, o dramaturgo fez uma imersão no universo feminino. Segundo ele, tudo começou com a atriz Cibele Marina fazendo uma pesquisa sobre mulheres encarceradas, e sua contribuição vinha desse lugar de tentar pensar outras formas de abordagens.
“Me interessava muito a ideia de uma construção de uma narrativa através de um personagem que pudesse envolver aquelas pessoas, e as duas personagens têm um lugar pra mim que me interessa muito explorar, que é da simplicidade, inclusive das profissões, que a gente está acostumado a ver no cotidiano. Em Cintilante, as provocações estão muito nesse lugar do feminino e das formas de entendimento dos femininos nessa sociedade que a gente tem hoje. E a partir disso também, tentar pensar que forma de encarceramento estamos vivendo”, explicou.
Da mesma forma, Aviamentos partiu do desejo da atriz Andrea Rabelo de fazer um monólogo em homenagem à sua mãe, que era costureira. “A minha provocação é fazer uma costureira, porque tem uma intimidade, conheço ela e sabia da mãe. Então já existia ali uma memória. É claro que não se trata de uma biografia, mas eu acho que a riqueza está muito no lugar de flertar com a possibilidade daquilo também ser uma biografia”.
Ele também enfatizou que a obra possui a metáfora de uma mulher que vai ‘costurando’ aspectos da vida. “Momentos, lembranças, recordações, desejos, e provocando a plateia também, nesse lugar de se visitar aquilo que a gente cria metáforas e analogias chamando de costuras. Eu acho que o espetáculo vai conduzindo todo mundo para esse lugar de se pensar enquanto um ser de memórias e que traz vivência”.
Além de dar detalhes sobre as obras, o vencedor do Prêmio Braskem na categoria ‘Texto’ também falou sobre a relevância da premiação para a cena teatral baiana e nacional. Ele defendeu a necessidade de a Bahia contar com mais incentivos nesta área.
“A relevância do prêmio se dá pelo fato de ser o único que temos. Toda premiação é válida e necessária, porque baliza, molda, provoca reflexão sobre o campo e as obras, os artistas, e são elas que legitimam carreiras, colocam determinados artistas em evidência. E também temos espaços para as trocas, não falo só de celebrar, mas também fomentar. Por isso é mais que necessário que tivéssemos outros prêmios em Salvador, na Bahia, para que a gente pudesse ter outros balizadores”.
Ainda segundo o escritor, os prêmios são formas de “eternizar as obras”.
Projetos para 2024
Por fim, o escritor e dramaturgo também falou sobre os projetos para 2024 e os próximos anos. Gildon destacou que serão anos de “políticas públicas efetivas”, sobretudo em função do edital Aldir Blanc, que será responsável por proporcionar grandes investimentos no setor. Ele também revelou possuir projeto de cinema, séries e minisséries, além de teatro.
“A gente que trabalha com dramaturgia tem sempre que fazer muita coisa ao mesmo tempo, então tenho projetos de cinema, audiovisual, séries, minisséries e teatro. Acho que a gente não deve parar nunca e aproveitar muito esses editais para conseguir fazer um fomento para o desenvolvimento disso, e depois entrar nos lugares de negociações com plataformas, streamings, canais, e também montar equipes para fazer essas produções acontecerem”.
Gildon também enfatizou que haverão mais monólogos e ressaltou que, através dos editais, é possível pensar em peças com mais pessoas envolvidas. “Para que a gente possa mobilizar cada vez mais o cenário. Então, aguardem, que vem coisa boa por aí”, prometeu.
Conheça detalhes sobre espetáculos premiados
Sinopse de Cintilante – Obra inédita de autoria de Gildon Oliveira, com direção de Tacira Coelho e interpretação de Cibele Marina. O espetáculo solo conta a história de Leydyanne, uma manicure que faz do seu trabalho uma filosofia de vida. No entendimento de que “ninguém é só unha”, ela se torna uma “terapeuta da vida” e, de forma leve, divertida e emocionante, divide com o público seus atendimentos e entendimentos, defendendo o livre direito de pensar e existir.
Sinopse de Aviamentos – Monólogo da atriz baiana Andrea Rabelo, com texto de Gildon Oliveira e direção de Jacyan Castilho. O espetáculo nasce do desejo da atriz em homenagear sua mãe, que era costureira (in memorian). A dramaturgia poética escrita por Gildon Oliveira narra com sensibilidade as lembranças vindas da intérprete, que, costurando suas histórias, não necessariamente autobiográficas, traz afeto, saudade e transformação. O monólogo convida o público a entrar nesse atelier de lembranças, driblar o emaranhado de fios, que é a própria vida, movendo energias desconhecidas, as quais faz refletir sobre experiências que alinhavam e transformam narrativas.
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