Festa de Iemanjá é a maior manifestação dedicada a um orixá na Bahia

Única manifestação não sincretizada do calendário, celebração à Rainha do Mar traz forte carga da ancestralidade das religiões de matriz africana


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Ana Paula Ramos 02/02/2024 08:47 Cultura

Quando uma multidão vestida predominantemente de branco e azul comparece ao Rio Vermelho para reverenciar Iemanjá, todo dia 2 de fevereiro, consolida uma tradição que nasceu com os pescadores. E mais: reforça a mística envolvendo a maior celebração dedicada a um orixá na Bahia. A festa de Iemanjá é umas das três grandes manifestações populares de Salvador, dividindo o pódio com o Carnaval e a Lavagem do Bonfim. Também é a única que hoje não é mais incretizada com a devoção católica, e sim uma perfeita expressão da ancestralidade das religiões de matriz africana.

A celebração que toma ruas e praias do Rio Vermelho ainda antes do raiar do sol teve origem a partir do protagonismo de pescadores locais ainda nas primeiras décadas do século XX, embora algumas pesquisas esclareceram que o culto a Iemanjá existisse antes disso.

“A história dessa festa, como qualquer elemento da nossa cultura, precisa de um marco fundador. Em 1923, há o relato do jangadeiro Zequinha para um dos grandes jornais daqui da Bahia sobre uma oferenda de pescadores para a divindade das águas, na expectativa de que ela pudesse resolver o problema de escassez de peixes do mar”, explica o historiador Murilo Mello.

A partir daquele momento, o ato de depositar oferendas para a orixá passou a ser um rito anual e viria a fazer parte da Festa de Nossa Senhora de Santana, estritamente ligada ao catolicismo, que ocorria na região desde 1870. A programação contava com anúncios sobre o Carnaval e até concurso de miss, numa época em que o Rio Vermelho era uma área afastada do centro da cidade.

“A Festa de Santana era muito concorrida pelos veranistas, inclusive, tinha carro alegórico que ia até a Barra, queima de fogos, venda de guloseimas para angariar fundos para a celebração. Dentro de toda aquela liturgia, de todos aqueles dias de festejos, os pescadores pediam permissão da Igreja Católica para depositar presente a Iemanjá”, complementa Mello.

Tal evento religioso não acontecia no dia 2 de fevereiro, pois possuía uma data móvel. Uma das explicações para a consolidação do calendário atual é a culminância com os dias de duas santas: o de Nossa Senhora das Candeias e o de Nossa Senhora dos Navegantes.

Ainda no começo do século XX, o sincretismo que existia no festejo sofreu uma ruptura decorrente de conflitos com lideranças católicas, que chegaram a contestar a devoção a uma orixá com aspecto de sereia. Os pescadores resolveram seguir com a celebração a Iemanjá de forma separada, sobressaindo-se à Festa de Santana, que passa a ser deslocada para o meio do ano.

Devoção de grandes nomes das artes

O 2 de fevereiro ganha força por volta da década de 1960, quando renomados expoentes locais da música e literatura, como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Jorge Amado, fazem alusão à festa em suas artes.

“A sociedade não conhecia o 2 de fevereiro. Então, a partir do momento em que os grandes artistas começam a relatar essa oferenda, ganha-se esse vulto que a gente conhece hoje como a maior festa com viés afro da Bahia”, explica Mello.

Já o culto a Iemanjá em Salvador é mais antigo do que a festa em si. Há registros de reverência à Mãe d’Água, por exemplo, na Cidade Baixa, próximo ao Monte Serrat, no final do século XIX.

“A energia que circula é inexplicável”, diz pescador

Responsável por conduzir a embarcação que vai levar o presente principal nesta sexta-feira, Roberto Pantaleão, 67 anos, vive do mar há cinco décadas e destaca o quanto a celebração saiu de uma simples homenagem ao status de repercussão internacional. Embora já esteja acostumado, há um certo desafio em conseguir recepcionar todos os presentes que chegam para Iemanjá. “A gente mobiliza aqui na Colônia de Pescadores, só para poder fazer essa parte do transporte das oferendas, entre 40 a 50 pescadores no dia da festa.”

Pantaleão fala com orgulho do fato de a festa ter os pescadores no epicentro de sua realização. No 2 de fevereiro, diz, uma força sobrenatural inunda o Rio Vermelho: “Tem gente de outros países e continentes, de japonês a europeus, que chegam aqui no barracão onde tá o presente principal e ‘dá santo’. Já vi dezenas de casos assim. A energia que circula é inexplicável”, relata.

Para o pescador, a Festa de Iemanjá, que completa 101 anos, é uma das poucas manifestações religiosas que não perderam glamour e intensidade com o passar do tempo: “Acredito que por conta do fascínio que o mar exerce em todo mundo”.  Em outras palavras, Pantaleão entende que Iemanjá pode ser sentida no ritmo da maré, na brisa e balanço suave das ondas.

Figurada no Brasil como uma mulher de cabelos esvoaçantes, cauda de sereia e associada às cores azul e branco que simbolizam ligação com a pureza, clareza e imensidão do oceano, Iemanjá também é associada à maternidade, além de protetora de mulheres e crianças. Ela tornou-se parte integrante das religiões afrobrasileiras, tendo culto espalhado no país ao longo do tempo, sobretudo em regiões costeiras.

“No Brasil, Iemanjá continua sendo um poderoso símbolo de resistência contra a opressão e da força inabalável das tradições culturais africanas. Seus devotos a veem como uma fonte de conforto e proteção, principalmente para mulheres e crianças. Ela está associada a todo poder supremo do mar, e é frequentemente invocada por aqueles que vivem do oceano”, descreve a escritora Camila Nogueira, no livro Iemanjá: Rainha das Águas Salgadas.

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