“O SUS e o subsistema de Saúde Indígena são conquistas no Brasil”, diz pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz
Confira a entrevista com Ana Lúcia Pontes, pesquisadora do grupo “Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas” da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz
O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas foi criado em 1999, por meio da Lei nº 9.836/99, conhecida como Lei Arouca. Ele é composto pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas/Dseis que se configuram em uma rede de serviços implantada nas terras indígenas para atender essa população, a partir de critérios geográficos, demográficos e culturais.
Seguindo os princípios do SUS, esse subsistema considerou a participação indígena como uma premissa fundamental para o melhor controle e planejamento dos serviços, bem como uma forma de reforçar a autodeterminação desses povos. No mês em que se comemora o Dia do Índio, trazemos essa entrevista com a pesquisadora Ana Lúcia Pontes para saber como funciona esse subsistema, suas particularidades e deficiências.
Sobre Ana Lúcia Pontes
Ana Lúcia Pontes é pesquisadora do grupo “Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas” da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz/ Departamento de Endemias Samuel Pessoa. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia (PPGVIDA/ ILMD/Fiocruz-AM), Programa de Pós-graduação em Bioética Ética Aplicada e Saúde Coletiva PPGBIOS/ Fiocruz/UFRJ/UERJ/UFF e do Doutorado Acadêmico em Saúde Coletiva (ILMD-Fiocruz/UFAM/UEA). É coordenadora do GT de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva-Abrasco, participa do Conselho Estadual de Direitos Indígenas/RJ e atua como apoiadora de lideranças e organizações indígenas. Ela possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo, especialização em “Educação e Saúde”, residência médica em Medicina Preventiva e Social, mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública.
Diante da diversidade cultural dos povos indígenas no Brasil, com cerca de 305 etnias, diferenças regionais e do processo de formação desses territórios quais são as principais patologias mais comuns entre os povos indígenas? Há situações de comorbidades entre essas populações?
Com relação à situação de saúde dos povos indígenas e dos determinantes que impactam a saúde dos povos indígenas, uma primeira observação e que é uma realidade não só no Brasil, mas em todo o mundo é que existe muito pouca produção de dados, as instituições, os governos raramente priorizam e enfatizam recortes étnico-raciais na produção das informações em saúde e também sociodemográficas que estão diretamente relacionadas com saúde. No Brasil, a gente teve alguns avanços em relação, inclusive, a outros países da América Latina, porque, por um lado, a partir da década de noventa, houve uma crescente inclusão da categoria cor e raça no sistema de informação em saúde e, a partir de 2017, virou obrigatório nos sistemas de informação de saúde a inclusão da categoria cor/raça, que inclui indígena, e a gente teve, a partir de 99, a criação do Sistema de Informação da atenção à Saúde Indígena que contempla informação das populações assistidas pelo subsistema de atenção à saúde indígena. Entretanto, as informações desse subsistema de atenção à saúde indígena não são abertas ao público como o restante das informações do DATASUS, o Sistema de Informação em Saúde. Então, infelizmente, a gente não tem dados atualizados nem série histórica de vários indicadores demográficos e de saúde e de ações de saúde do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Até 2010, enquanto a FUNASA era a gestora, a gente tinha alguns dados disponíveis e consolidados. Depois, por alguns anos, a SESAI ainda manteve a disponibilidade do módulo demográfico, mas já faz pelo menos uns quatro anos que a gente não tem acesso nenhum. Então, a gente fica na dependência do acesso às poucas informações que têm a partir dos demais Sistemas de Informação em Saúde do SUS e também dos dados do Censo do IBGE de 2010 que é uma importante fonte. O que a gente vê de informação da situação de saúde dos povos indígenas, principalmente a partir de estudos feitos em determinados locais e regiões que foram desenvolvidas pesquisas, alguns poucos dados que são consolidados que são disponibilizados e houve, em 2009, 2010, o primeiro inquérito de saúde e nutrição dos povos indígenas, coordenado pelo GT de saúde indígena da Abrasco. A mortalidade geral, e a infantil, entre os indígenas é maior do que a de não indígenas. O conjunto geral desses dados aponta para a seguinte direção: a importante prevalência de alguns agravos crônicos relacionados com a situação geral de saúde, como, por exemplo, nas crianças, a desnutrição crônica e anemia; também a presença de anemia em mulheres em idade fértil; a gente vê também um crescimento da obesidade e sobrepeso das mulheres indígenas; em algumas regiões, claramente, o aparecimento das doenças crônicas ou transmissíveis, como hipertensão e diabetes. De modo geral, também a partir dos dados do censo, o que a gente tem visto é que a mortalidade geral – e a mortalidade infantil – em pessoas indígenas é maior que em não indígenas, chegando até duas vezes mais em algumas faixas etárias. Então, O que a gente diz é que o cenário geral é de uma situação desfavorável em relação aos não indígenas, o que aponta um cenário bastante discutido e conhecido no país de desigualdades em saúde. Também em fatores determinantes da saúde a gente vê essa iniquidade, como, por exemplo, acesso a saneamento básico, acesso a educação e renda, são fatores que impactam em vários indicadores. Esse é o cenário geral.
Apesar das ameaças de desmonte do Sistema Único de Saúde ele tem sido muito elogiado no sentido de sua eficiência e de sua capilaridade. Qual é a avaliação que a senhora faz da assistência prestada às populações indígenas a partir do subsistema de saúde indígena do Ministério da Saúde? Como essa rede está estruturada para atender essas demandas de saúde?
Gostaria de enfatizar que, realmente, o Sistema Único de Saúde e o Subsistema de atenção à Saúde Indígena são conquistas no Brasil e, particularmente, o Subsistema é conquista da ativa militância e articulação dos indígenas e de seus parceiros ali ao longo dos anos 80 e 90. Realmente, o acesso universal à saúde e a concepção de saúde no Brasil que pensa e se articula com os determinantes amplos da saúde e que pensa também em integralidade da atenção à saúde, ou seja, das ações de atenção primária, secundária e terciária, é o que permitiu na pandemia e permite também aos indígenas uma retaguarda que a gente viu que não ocorre em muitas realidades e em populações também vulneráveis. Então, efetivamente, a gente sabe a diferença que fez a gente ter o SUS e o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena que é parte do SUS, porque o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena garante a atenção primária nos territórios indígenas, que é complementada pelas ações também primárias, a nível secundário e terciário no restante da rede SUS. Então, não há dúvida que é uma conquista a ser fortalecida e aprimorada e toda discussão que foi feita na relação no contexto da pandemia foi de o quanto deveria se fortalecer esse subsistema com aportes orçamentários extraordinários, com maior contratação, com provimento para o SUS e apoio logístico. O que a gente viu, então, ao longo aqui realmente, graças a esse Sistema e ao SUS, os indígenas encontraram algum respaldo, mas efetivamente, em termo da resposta governamental, a gente viu que a execução orçamentária deixou a desejar, ela não foi a total em relação aos recursos disponíveis, a gente viu que houve uma lentidão na operacionalização dessas compras de insumo e logísticas necessárias pra, por exemplo, fornecer e garantir equipamentos de proteção individual pros trabalhadores do Subsistema, garantir o acesso e fluxo a diagnóstico molecular, acesso e fluxo a assistência hospitalar e, particularmente, a unidades de terapia intensiva. Então, em que pese todas essas adversidades, o que a gente tem é um cenário bastante importante de reforçar a importância que a gente tem no Brasil.
O critério do Ministério da Saúde de priorizar apenas os povos indígenas que vivem em aldeias, em terras demarcadas incluiu apenas 40% do total da população indígena no país. Como a senhora avalia esse critério e a assistência prestada às comunidades indígenas em contexto urbano?
A gente realmente já fez algumas Notas Técnicas para embasar a ADPF 709 que a gente entende que esse recorte de somente priorizar indígenas aldeados manteria um conjunto importante de indígenas suscetíveis à doença e indígenas que a gente está vendo que tem um maior risco de exposição à Covid e uma maior mortalidade e letalidade pela doença; Então, efetivamente a gente vê que tem argumentos dentro dos critérios dados pelo plano para que fossem todos os indígenas incluídos nessa priorização. A gente já fez essa manifestação diversas vezes. E também tem outro ponto de vista importante de ressaltar, um que a identidade, os direitos identitários dos povos indígenas não deveriam ser atrelados ao local de residência, porque o local de residência não define sua identidade; segundo que o próprio deslocamento, a ida de indígenas pra contextos urbanos tem a ver com violações de direitos, principalmente com relação a violação de seus territórios, ameaças, conflitos, tem a ver também com busca de melhores condições de qualidade de vida, pela dificuldade de acesso a políticas públicas em seus próprios territórios. Então, é a pressão que essas pessoas recebem nos seus territórios de origem que as levam a se mover. E também não existe muita separação em termo de local de residência. O que a gente vê é um trânsito intenso, aldeia/cidade, de múltiplos locais de residência. Então, essa definição estava inadequada porque, como as pessoas estão em constante circulação e convívio, você mantém a cadeia de transmissão do vírus se você não imuniza as pessoas indígenas em contexto urbano. Mas eu queria ressaltar que esse é um ponto importante até no debate da pandemia que pode, inclusive, garantir um avanço, porque o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena foi construído com base nos territórios indígenas. Então, havia, acho que no período ali da Constituinte, na formulação da Política de Saúde Indígena, uma certa invisibilidade de quantos e como era a situação desses indígenas em contexto urbano. Passados trinta anos da Constituição, a gente tem muito mais informação desse contingente populacional em área urbana e algumas informações, a partir do censo do IBGE, da vulnerabilidade dessas populações. Então, eu considero que pode ser um avanço e um legado da crise da pandemia uma olhada em relação à situação desses indígenas em contexto urbano e um avanço em relação à garantia à atenção à saúde diferenciada dessas pessoas. A gente vê que esse modelo vai ter que ser claramente dialogado com o restante da rede SUS, dentro do que é responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena, principalmente do ponto de vista de sua coordenação, qualificação dos trabalhadores com relação às especificidades dessas populações. Então acho que tem muito a avançar em como vai ser isso na prática, mas eu acho que é um avanço que deve ser uma direção a ser conquistada aí com o desdobramento da pandemia.
* Claudia Correia fez essa entrevista em colaboração com o Portal M! Ela é assistente social , jornalista e mestre em Planejamento Urbano.
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