CPI da Covid encerra ciclo sem tirar trave do olho
Por Samuelita Santana*
O respeito aos brasileiros e às mais de 600 mil vítimas da Covid-19 não pareceu exatamente claro ao longo dos trabalhos da CPI da Covid, já que seus condutores não se dispuseram a investigar e responsabilizar, de fato, todos os agentes públicos envolvidos em ilicitudes no decorrer da crise, seja de ordem civil ou criminal. Ao selecionar alvos e blindar parceiros, a Comissão Parlamentar de Inquérito conseguiu descredibilizar os resultados do que poderia ter sido um dos mais importantes instrumentos de esclarecimento e responsabilização por essa tragédia que abala o país.
Raivosa, seletiva, opinativa e instalada para fins meramente políticos e nem de longe para fazer justiça ao povo brasileiro, a chamada CPI da Covid queria, de última hora, ser também apelativa, como se satisfeita não estivesse com a sua performance tendenciosa. Ensaiando usar o nome e a imagem do humorista Paulo Gustavo (uma das vítimas do vírus no Brasil) para encerrar o circo de horrores e desfaçatez em que se tornou, a CPI conduzida seletivamente por Omar Aziz (PSD-AM) e pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) – parlamentares investigados por crimes de corrupção -, trombou de frente com a decência e a sensatez da mãe do ator, Déa Lucia, convidada para protagonizar a farsa do pseudo lamento pelas famílias enlutadas: ” Só se eu fosse louca”, disparou com a maior coerência.
“Não vou participar de jeito nenhum. Essa CPI virou uma CPI política, comandada por Renan Calheiros e Omar Aziz. Você acha que é séria e que vai dar em alguma coisa? Já estão em ano eleitoral. Não vou me prestar a isso. Vou fazer meus discursos no momento certo, nas minhas redes. Me meter com política eu não vou”, disse Déa Lúcia em entrevista ao jornal O Globo, com a sabedoria dos que não se deixam ludibriar pela falácia política daqueles que querem apenas se dar bem, atacar coleguinhas e golpear adversários que se coloquem no caminhos dos seus propósitos de poder.
A tal cerimônia de encerramento marcada para o dia 19 de outubro foi cancelada no último sábado, 9, provavelmente graças à sensatez de dona Déa Lúcia, que não se deixou enredar pelos reais objetivos da cúpula da comissão. Segundo informações divulgadas pela imprensa, a atriz Glória Menezes, abalada pela perda recente do companheiro Tarcísio Meira, ator morto pela Covid, também teria sido convidada e recusou-se a participar da cena. O evento pretendia enveredar pelo caminho da comoção utilizando emblematicamente a morte dos artistas, como se o país inteiro já não soubesse o quanto a gestão dessa pandemia foi conduzida de forma aviltosa e irresponsável, não apenas pelo governo federal, mas também por gestores públicos corruptos – governadores, prefeitos e outros agentes – que desviaram e corromperam recursos destinados à crise sanitária. Fatos que a CPI da Covid simplesmente preferiu ignorar.
Ações fraudulentas envolvendo a compra de respiradores e EPIs de combate ao vírus causaram a morte de milhares de brasileiros durante a pandemia. Mas a comissão instalada justamente para apurar responsabilidades pelas mortes, nesse caso específico, recusou-se a fazer. Ora, depois de ter blindado e protegido infratores e tornado irrelevantes denúncias dessa gravidade, a mesma CPI, que nasceu com alvos e propósitos bem definindos, tem o desplante de querer prestar homenagem às famílias dos mortos. Que nome vamos dar a isso? Sordidez? Calhordice?
Como ponderou Déa Lúcia, o chamado Centrão não esboçou qualquer coragem para seguir adiante com os pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Mas os atores da CPI querem usar dores civis para encenar seus espetáculos e receber aplausos. “Vou me meter nesse ninho de gato? Nunca me meti, não vou me meter agora. (…) Se surgir uma terceira via, se aparecer, vou para as redes sociais. Mas bater palma para Renan Calheiros? Só se eu fosse muito louca. Só se fosse para o Paulo Gustavo ressuscitar e dizer: “Mãe, vou dar na sua cara”…
Não será dessa vez, ainda bem, que a imagem de uma das 601 mil vítimas da Covid-19 – mortes causadas não apenas por fatalidade mas sobretudo por negligência e irresponsabilidades administrativas -, será usada para resgatar o brilho de estrelas apagadas, as mesmas que se esmeram com mil artifícios e artimanhas para permanecerem existindo em seus cosmos de poder. Não será dessa vez, enfim, que a dor de muitos servirá para lustrar a visibilidade de parlamentares envolvidos em escândalos, como é bem o caso do senador Aziz, investigado junto a familiares pela suspeição de desvios e fraudes com recursos – pasmem pela ironia – da Secretaria de Saúde no Amazonas, estado que governou entre 2010 e 2014. Os danos causados aos cofres públicos foram estimados pelo Ministério Público em cerca de R$ 100 milhões. Aziz se declara inocente.
No mesmo holofote nacional dos escândalos se encontra Renan Calheiros, relator da CPI da Covid, de quem partiu o convite para a mãe do ator Paulo Gustavo. O senador tem mais de 25 processos rolando no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao longo da sua “brilhante” carreira política, Calheiros acumula inquéritos por crime contra a honra e corrupção, em operações como a Lava Jato, Zelotes e Postalis. Sem falar que o filho do senador, Renan Filho, governador de Alagoas pelo MDB, é investigado pelo MP local justamente pelos gastos no combate à pandemia. Pai e filho se dizem inocentes.
Corruptos se declarando inocentes e injustiçados é o que não falta nesse país. Mas inocente e injustiçada, porém, é sem dúvida a população brasileira que viu familiares e amigos partirem de forma tão trágica quando o pior poderia ter sido evitado. Uma CPI que enxerga o argueiro no olho do outro, mas recusa-se a tirar a trave do próprio olhar ao proteger parceiros e utilizar em interesse próprio, ou de grupos afins, um instrumento democrático, legítimo e benéfico para a sociedade, com certeza perdeu o tom, o real escopo e não merece crédito. As denúncias de irregularidades nos estados com os recursos que salvariam milhares de vidas nessa pandemia, nem por sonho deveriam ter sido ignoradas pela CPI.
A Polícia Federal e o Ministério Público identificaram fraudes em pelo menos 19 estados e no Distrito Federal, 7 deles investigados por gravíssimas denúncias de desvios de recursos destinados à pandemia. Estima-se que mais da metade do dinheiro endereçado à crise sanitária foi parar ilegalmente no cofre de alguém. Segundo levantamento da Revista Veja, em setembro de 2020, os desvios já somavam mais de R$ 4 bilhões. Absolutamente ignoradas pela CPI da Covid, essas investigações continuam em andamento praticamente em todos os estados da federação.
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*Samuelita Santana Santana – Jornalista
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