Artigo: Verdades não ditas

“As verdades podem ser nuas – mas as mentiras precisam de estar vestidas.” – Textos Judaicos

A série televisiva turca “Deli Gönül” (Verdades Não Ditas no Brasil)) foi produzida em 2017 e exibida no Brasil desde 2019 no canal de televisão por assinatura. Dirigida por Selim Demirdelen e Berat Özdogan, tem Murat Ünalmis e Tuvana Türkay como protagonistas principais, e trata de um drama amoroso que se desenrola entre um professor de Literatura (Kadir) da Capadócia, e uma professora de música (Fatmanur), da classe média alta de Istambul. Nos 33 capítulos, observa-se toda uma trama de meias verdades, de camuflagens, de distorções e, principalmente, de narrativas. 

No Brasil temos uma novela que deverá ter, a princípio, 36 capítulos (três dias por semana, com quatro semanas por mês e duração de três meses) e que se desenrola em uma das salas do Senado, com o nome pomposo de CPI da Pandemia. Criada inicialmente para apurar possíveis omissões do Governo Federal durante a pandemia do coronavírus, e adicionada, por pressão, de investigações de uso de recursos públicos federais por estados e municípios, a CPI vem exibindo um roteiro de verdades não ditas, camufladas, distorcidas, escamoteadas e eivadas de narrativas. O script original foi esquecido e seus autores à cada dia criam um novo enredo.

O que seria uma investigação sobre os procedimentos adotados por gestores durante a pandemia, escopo primaz da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), se transformou em um debate sobre o uso ou não uso da hidroxicloroquina e o tratamento precoce contra o Covid 19, e o porquê do Brasil não ter iniciado o processo de vacinação ainda em novembro, como anunciou o ex-ministro Henrique Mandetta, desafeto do presidente Jair Bolsonaro. Como uma das verdades não ditas, em novembro sequer haviam vacinas prontas, e a primeira pessoa a ser vacinada no mundo, foi uma mulher nonagenária no Reino Unido, em 08 de dezembro de 2020.

A pandemia em si, que deveria ser o centro das discussões e dos debates, saiu de cena, cedendo o lugar às disputas políticas, com um direcionamento claro do relator, senador Renan Calheiros, usando a CPI como palanque eleitoral e uma arma para atacar o presidente Jair Bolsonaro. Com duas semanas de debates, o relatório final da CPI parece já estar pronto, com o senador relator emitindo declarações públicas, em um pré-julgamento da culpabilidade do Governo Federal, restando apenas alguns apêndices que serão acrescidos, de acordo com os direcionamentos que vêm sendo dado, no rol de verdades que ainda não foram ditas, ou têm sido deixadas de lado.

Como num drama burlesco, depoimentos que poderiam ser esclarecedores sobre como o Brasil vem agindo no combate à pandemia, e com propostas de aperfeiçoamento, a CPI se transformou em uma espécie de Tribunal da Inquisição, onde o único objetivo parece ser o de se criar provas que incriminem o presidente da República. Respostas que não são do agrado do relator, senador Renan Calheiros, ou do presidente da comissão, senador Osmar Aziz, são ignoradas ou simplesmente interrompidas, negando aos depoentes, que em muitas ocasiões são induzidos, coagidos e ameaçados, os devidos esclarecimentos, e aos demais participantes, o conhecimento de fato do que aconteceu e do que poderia ter sido feito.

No drama turco televisivo, “Verdades não ditas”, o telespectador fica sem saber o desfecho dos dois personagens, e dos dramas secundários que se desenrolam nos 33 capítulos da série, que foi interrompida de forma abrupta, sem qualquer conclusão dos fatos ali narrados. No drama da CPI da Pandemia, os enredos parecem terem sido fabricados de forma antecipada, e os autores seguem um script pré-definido, sem qualquer conexão com as verdades dos fatos expostos pelos personagens. 

Distante cada vez maios do seu escopo original, metamorfoseando-se ao sabor dos interesses políticos e ideológicos dos seus organizadores, a CPI se transformou em uma peça inquisitória e de ficção. Não há começo e meio, e qualquer relação com seus objetivos originais. E os personagens que se apresentam e as narrativas ali contadas, parecem ser apenas acessórios de um enredo que se arrastará por três meses, mas cujo final já foi pré-definido antes mesmo do primeiro capítulo. Diferente da série da TV turca, a homônima do Senado já tem um final definido com bastante antecedência: condenar o presidente Jair Bolsonaro.

* Adilson Fonseca é jornalista e escreve neste espaço às quartas-feiras.

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