ARTIGO: Ônibus e democracia
Já confessei por muito. Gosto de ônibus. Em especial, dos antigos. O Flecha Azul, da Companhia Manufatureira Auxiliar (CMA); os 326, 362, 364 e 370, da Mercedes Benz, e o Marcopolo III, da Marcopolo, são imbatíveis. Ver, viver e rever cada um deles nas nossas maltratadas rodovias desperta em mim os mais puros sentimentos e […]
Já confessei por muito. Gosto de ônibus. Em especial, dos antigos. O Flecha Azul, da Companhia Manufatureira Auxiliar (CMA); os 326, 362, 364 e 370, da Mercedes Benz, e o Marcopolo III, da Marcopolo, são imbatíveis. Ver, viver e rever cada um deles nas nossas maltratadas rodovias desperta em mim os mais puros sentimentos e sonhos infantis. Sim, confesso. Sou um busólogo.
Poderia – e deveria – escrever um longo texto para cada um deles. Afinal, cada um desses ícones das estradas, ao seu tempo e modo, me marcou.
Faço essas considerações para poder revelar e justificar o quanto para mim foi natural o interesse pelo documentário “Partida”, o segundo do ator-diretor Caco Ciocler. Principalmente pelo fato de o ter descoberto após ter visto, por serendipidade (estou ficando viciado nessa palavra. Sim, palavras viciam), o cartaz de divulgação do filme. A foto do ônibus Mercedes 362 rasgando uma rodovia brasileira é antológica. Ao vê-lo, em minha mente, veio a palavra esperança.
Assisti ao filme e o revi. Raramente faço isso. Espero, quase sempre, passar um certo tempo para rever um filme de que gosto, pois, após cada nova revisitação, há novas descobertas. Detalhes que passaram despercebidos na primeira vez revelam-se espontaneamente. Contudo não resisti em relação ao filme “Partida”. Pena que ele esteja disponível, pelo menos por enquanto, apenas em plataformas de streaming.
Em resumo, enquanto o ônibus segue seu curso na rodovia por seis dias, são revelados diálogos e contradições de um grupo de profissionais da arte, tendo como protagonista a atriz Georgette Fadel.
A trupe ruma, sem produção e sem roteiro prévio, de São Paulo ao Uruguai. O objetivo é, no Réveillon de 2019, conseguir um encontro com o ex-presidente do país vizinho, José Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente pela alcunha de Pepe Mujica.
Não irei aqui fazer uma análise crítica do filme. Não sou especialista. Porém recomendo a leitura dos diversos comentos com que os jornais de folha nos brindaram sobre essa ficção-documentário. Em especial, o publicado no jornal A Tarde, edição de 21/06/2020. Os comentários do crítico de cinema João Paulo Barreto dizem tudo e um pouco mais desse filme, por vezes, melancólico.
Mas, por mais que se comente sobre esse documentário, que mistura ficção e realidade, muito ainda precisará ser dito sobre o filme que, em suma, é o relato de um ônibus e uma trupe em viagem “rumo à utopia” de um mundo mais justo e menos desigual. Sonho que todos acalentamos, mas que, no Brasil, por mais que pareça possível, sempre está distante.
Quem bem definiu para que serve a utopia foi Fernando Birri, citado por Eduardo Galeano in “Las palabras andantes?”: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Verdade. A utopia existe para que não deixemos de caminhar, de ter esperança, de sonhar e de acreditar nos nossos sonhos.
Nos momentos de discussões calorosas entre os extremos, os demais personagens observam passivamente como uma multidão boiada caminhando a esmo.
Três cenas do filme passado em um ônibus, que, metaforicamente, representa um país que precisa avançar, marcaram-me.
A primeira, a discussão entre a comunista Georgette Fadel e o empresário e ator Léo Steinbruch, provando que o radicalismo, manipulado ou não, não é a pior opção, pois ser radical não é opção.
A segunda, o diálogo entre Fadel e o responsável pelo ônibus – apesar da placa que proibia a conversa entre o passageiro e o motorista – que revela a necessidade de oportunizar quem tem talento e sonhos.
O jovem motorista Jefferson Henrique, que declarou, em entrevista, que nasceu em um ônibus e nele e por ele foi criado, prova que o trabalho honesto é a melhor opção e que não podemos abrir mão dos nossos sonhos. Contudo, no filme, ele afirma que “o país que a gente quer viver nunca vai existir.”
Por fim, e não poderia ser outra, o encontro do grupo com Mujica. A fala do símbolo vivo do que é a pura esquerda é um evangelho de esperança, principalmente quando dita em um dia de ano-novo. Sim, não esquecerei: “Levantar e voltar a começar toda vez que cair”.
Sim, precisamos continuar a caminhar em busca da nossa utopia e a acreditar na essência da democracia grega que tanto nos inspira. Sim, pois, até onde pude assimilar quando Atenas visitei, o governo pertence sempre ao povo, mas deve ser conduzido por aqueles que estiverem realmente preparados para fazê-lo. Aliás, como sói ocorrer em um ônibus.
Antes que me perguntem, respondo qual a relação de um ônibus com a democracia. Simples: o ônibus é um meio de transporte coletivo (assim como um país) que, para chegar ao seu destino, carece de um líder (o motorista) vocacionado e competente que o saiba dirigir (comandar). Tudo mais é somente passageiro.
*Inaldo da Paixão Santos Araújo – mestre em Contabilidade, conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado, professor universitário e escritor.
Inaldo_paixao@hotmail.com
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