Artigo: Fomos reprovados e voltamos para o começo
Há um ano fomos surpreendidos pelo corona vírus, algo vem mudando o mundo. No entanto, é triste constatar que o ser humano mudou tão pouco e, mesmo diante de 250 mil mortos no país, continua vivendo normalmente sem se preocupar com a própria vida ou com a das pessoas que ama. Parece que o problema […]
Há um ano fomos surpreendidos pelo corona vírus, algo vem mudando o mundo. No entanto, é triste constatar que o ser humano mudou tão pouco e, mesmo diante de 250 mil mortos no país, continua vivendo normalmente sem se preocupar com a própria vida ou com a das pessoas que ama. Parece que o problema não é aqui, mas em algum lugar distante, que só existe na televisão.
Uns expressam seu desprezo pela vida alheia ao afirmar que todos vão morrer um dia e, portanto, tanto faz se vão morrer hoje ou daqui a cem anos, na tentativa irracional de negar o problema ou classificar os mortos como combatentes, que tombaram no “front” de batalha. Sim, temos várias batalhas em curso nessa guerra contra o covid-19. Uma delas é contra a doença, que tem a ciência como a mais eficaz arma de combate.
Outra batalha, não menos importante, é contra a ignorância, que encobre o medo da morte e este se expressa através do negacionismo. Negar que algo existe não o faz desaparecer. Fechar os olhos diante de um incêndio não apaga as chamas e, portanto, é preciso encarar o problema de frente para poder combatê-lo. Esmiuçar o problema é o caminho mais fácil achar as soluções, pois subestimar o inimigo, afirmando que ele é fraco, só o fortalece.
O isolamento social trouxe muitas mudanças significativas no dia-a-dia de todos fazendo com que tivéssemos de lidar com coisas novas e ameaçadoras. As pessoas tendo de conviver num mesmo ambiente durante meses fez com que casamentos acabassem, a violência doméstica aumentasse em alguns lugares e diminuísse em outros, e as famílias tivessem de enxergar as falhas, que costumavam ser varridas para debaixo do tapete. Um encontro, no entanto, foi e é bem difícil: o da pessoa com ela mesma. Inúmeros são os casos dos que recorreram à psicoterapia para tentar entender o que estava (ou está) acontecendo e aprender o que fazer.
É exatamente o processo de conhecer primeiro o problema para, aí sim, buscar a solução eficaz. Nesse encontro, muitos se defrontam com suas angústias e mágoas, que a vida cotidiana encobre e disfarça. Muitos enxergam suas fraquezas e partem na busca da solução ou da negação. Negar é adiar o problema ou empurrá-lo para alguém resolver. Talvez a pior situação é quando, nesse encontro consigo mesma, a pessoa não enxerga nenhuma fraqueza ou comportamento nefasto e continua colocando a culpa nos outros pelos problemas que passa. É uma posição de vítima, mas pode ser de arrogância ao não admitir que pode errar e causar danos às outras pessoas. Ou seja, a pessoa tem certeza de que está sempre certa e que o outro está errado porque não tem capacidade de entender as coisas. Essa certeza pode estar baseada num achismo (vide artigo que escrevi com esse título), na opinião despreparada de alguém ou, ainda, no medo, que faz a pessoa acreditar em tudo que falam para se proteger.
Muita gente tomou de forma preventiva o medicamento ivermectina porque “por via das dúvidas” é melhor tomar. Esse remédio não tem eficácia comprovada para tratar a covid-19 e, recentemente, o próprio laboratório que o produz fez essa afirmação. No entanto, muita gente continua tomando o remédio, porque acredita que nem o próprio fabricante sabe o que está dizendo, mas a vizinha, a tia da amiga ou um político influente sabem. A percepção equivocada de que se tem sempre razão pode ser traduzida como prepotência, orgulho, arrogância e termos similares. Ao apontar que alguém está errado, estamos dizendo que sabemos qual é o certo, ou seja, que somos diferenciados e o outro desprezível. Onde está a insegurança nesse caso: em quem erra ou em quem aponta o erro? Muita gente veste uma máscara de agressividade ou sabedoria para poder desviar o foco do problema para os outros ou, demonstrando que o outro é pior, colocar-se em um pedestal e não ser questionado pelas emoções infantis mal digeridas.
Havia uma expectativa muito grande de que as pessoas se transformariam durante o processo de quarentena o que, de fato, ocorreu com muita gente ao fortalecer laços familiares, aproximar os filhos, reforçar o casamento e aprender a lidar com a realidade, mesmo que signifique a ruptura dos relacionamentos. Infelizmente, como temos visto, ainda não foi suficiente para que as pessoas passem a enxergar para além dos próprios umbigos. As festas “clandestinas” continuam; as aglomerações continuam e o desrespeito aos cuidados básicos só aumentam. Faço a ressalva de que a maioria da população não tem escolha ao ter de usar um transporte público lotado e insalubre. Assim, como as pessoas que saem de casa para tentar conseguir o alimento daquele dia. A quarentena expõe, ainda, as velhas e conhecidas chagas sociais da miséria, dos que dependem dos serviços públicos e dos que não tem nem onde morar.
O que hoje é impactante é absorvido pela sociedade e passa ser naturalizado. Vivemos sob uma alta violência urbana, que apresenta um número de mortos equivalente a uma guerra civil, mas não prestamos atenção mais nos mortos e aceitamos os crimes como fatos naturais. Outro flagelo é o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil, onde mais de 65 mil pessoas morrem por ano, grande parte porque ingeriu bebida alcoólica e outra parte porque se acha superior e é imprudente na condução do veículo. Nos impressionamos se um avião cai e cem passageiros morrem. Hoje, no país, morrem mais de mil pessoas por dia, o que seriam dez aviões caindo todos os dias. Hoje o total acumulado de mortes de um ano equivale à queda de dois mil e quinhentos aviões. Com a covid-19 ocorre a mesma coisa e ela passou a ser algo distante e que não atinge a todos. Ao negar sua existência e a própria vulnerabilidade a pessoa não se vê doente ou transmitindo a doença para um parente. As pessoas deixam de usar máscaras numa tentativa de afirmar que são fortes e poderosas e os que não fazem o mesmo são pessoas ignorantes e fracas, que acreditam que a covid-19 é algo grave, a despeito de haver milhares de mortos. O som alto e ensurdecedor que vem da casa do vizinho ressoa em toda a vizinhança e, portanto, o problema não é de um, mas da coletividade. No Brasil, existe a coletividade, com a estreita interligação entre as pessoas, ou apenas um grande conjunto de pessoas individualistas?
Voltamos para o início da pandemia com números mais altos do que antes, muitas cidades com o sistema de saúde entrando em colapso e sendo obrigadas a adotar o “lockdown” com o fechamento de tudo que não for essencial para a sobrevivência. O que ocorre agora tem a ver com inúmeros fatores, entre eles o atraso na gestão da compra de vacinas e por não haver nenhuma campanha nacional de esclarecimento do governo federal, que deveria dar exemplos positivos. As pessoas, mesmo depois de todo o flagelo que ainda persiste, continuam egoístas e só conseguem olhar para o espelho onde se veem belas e saudáveis, mesmo não sendo. Para essas pessoas, o outro só atrapalha e deve ser desprezado. A empatia, que deveria ser natural, é algo restrito a poucos, que além de sentir a dor do outro fazem algo para acabar com o sofrimento alheio. Admitir que o outro tem problemas é admitir que se pode ter os mesmos problemas e isso é admitir a própria fraqueza, o que a arrogância não permite. O orgulho e o egoísmo são duas pandemias que a humanidade ainda não aprendeu a combater. É sempre bom lembrar que amanhã o outro pode ser você.
*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione
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