ARTIGO: A violência contra a mulher vista com naturalidade

Hoje é muito difícil uma pessoa se esconder ou fazer algo que ninguém saiba, pois em qualquer lugar há, pelo menos, uma câmera registrando tudo. Muitos dizem que isso tolhe a liberdade, tal qual preconizou George Orwell em seu famoso livro “1984”, que batizou o controle generalizado dos cidadãos de “Big Brother” (daí vem o […]


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Ana Cristina 20/10/2020 08:00 Artigos

Hoje é muito difícil uma pessoa se esconder ou fazer algo que ninguém saiba, pois em qualquer lugar há, pelo menos, uma câmera registrando tudo. Muitos dizem que isso tolhe a liberdade, tal qual preconizou George Orwell em seu famoso livro “1984”, que batizou o controle generalizado dos cidadãos de “Big Brother” (daí vem o nome ao “reality show”). De outro lado, se não houvesse tantos olhos vendo a sociedade, não teríamos a certeza de quão doente ela está e como as pessoas, por exemplo, são agredidas sem cessar. Com a tecnologia barata à disposição, vemos, todos os dias, vídeos que circulam pela internet com inúmeras cenas de roubos, acidentes de trânsito, tiroteios, suicídios e, entre tantos outros horrores, agressões contra mulheres. 

De acordo com Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), as denúncias feitas em março deste ano, através do Ligue 180, aumentaram 17,9% e, em abril foram 37,6% maiores. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicou em maio o estudo “Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19”, onde consta que o feminicídios aumentaram 22,2% entre março e abril. Em 2019, segundo o MMFDH, houve 1,3 milhão de chamadas para o Ligue 180.  Esses números devem ser ainda maiores, ao considerarmos que muitas mulheres vivem junto com seus agressores, têm medo de denunciar e sofrer mais agressões ou até serem mortas, o que pode acontecer mesmo com medidas protetivas expedidas. Infelizmente, a impunidade vigente banaliza e naturaliza a violência. Em caso recente ocorrido em Ilhéus, Bahia, o vídeo mostra um homem dando vários socos no rosto da ex-companheira, que não deu queixa à Polícia. É comum que o agressor esteja repetindo atitudes semelhantes e, ainda assim, ande livre e sem punição, como é o caso do homem de Ilhéus com 11 boletins de ocorrências registrados contra ele, incluindo o da mãe. As tornozeleiras eletrônicas deveriam ser usadas em todos os casos para garantir o cumprimento das medidas protetivas e salvar vidas!

No Brasil, a violência contra a mulher é tema relevante e, de fato, houve um extraordinário avanço com a Lei Maria da Penha. Há diversos serviços especializados para acolher a mulher em situação de violência como os Centros Especializados de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas Delegacias Comuns, Defensorias Públicas e Defensorias da Mulher (Especializadas), Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Promotorias e Promotorias Especializadas, Casa da Mulher Brasileira, Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica, além de diversas ONGs que fazem um trabalho muito relevante. 

Como se vê, o país coloca à disposição da sociedade um sistema bem planejado, mas que, na prática, funciona mal. No papel, na teoria, o conjunto de ações previstas beira à perfeição, mas na realidade é ineficaz, não previne a agressão, não pune os agressores, nem trata das mulheres agredidas com a urgência necessária. Parece que a explicação é sempre a mesma para quase tudo que depende do poder público: falta dinheiro e sua correta utilização, faltam delegacias especializadas e pessoal preparado para lidar com a questão, além de ter como pano de fundo a perversa cultura machista naturalizadora das ações violentas. Em fevereiro de 2019, o Presidente da República foi condenado na justiça por dizer publicamente para uma deputada federal que ela não merecia nem ser estuprada por ser muito feia e, ainda, que ele jamais a estupraria por não fazer seu “tipo”. De vez em quando ficamos sabendo de algum artista, personalidade conhecida ou jogador de futebol envolvido num escândalo sexual, incluindo estupro de vulnerável, mas, ao invés da indignação, a sociedade desconfia e pergunta se não é a mulher querendo aplicar um golpe financeiro na celebridade. Essas atitudes machistas mantém a cultura do estupro, que aceita como natural o abuso sexual feminino e reforça o entendimento que mulher usando um vestido curto, por exemplo, está querendo sexo e “pedindo” para ser assediada e a vítima acaba sendo transformada em culpada por ser violentada e estuprada. 

O agressor de mulheres normalmente é um homem com histórico de violência e que é conhecido por ter o “pavio curto”, ser explosivo, briguento e outros termos que, na nossa sociedade, reforçam suas atitudes nefastas. Ser reconhecido assim publicamente é como um prêmio para sua personalidade, que precisa atuar de forma agressiva na tentativa constante de esconder sua enorme insegurança diante das mulheres e ratificar seu ódio contra elas (misoginia). São homens que vivem na infância psicológica e têm pouca estrutura emocional para lidar com a frustração de não terem todos os seus desejos atendidos. Eles só aceitam o “sim” como resposta e o “não” é uma afronta descabida que desencadeia a raiva e pode terminar em agressão verbal, física e até em feminicídio. Infância emocional aliada à cultura que estimula o estereótipo do “macho-alfa”, somada à precária educação emocional doméstica e à impunidade generalizada criam o cenário para que as agressões sejam vistas, filmadas, classificadas como inaceitáveis, mas continuando a crescer sem nenhum grande constrangimento. A violência é encarada como um fato social irremediável e que só acontece para os outros. Falta a indignação constante contra as pequenas coisas erradas, antes que se tornem grandes demais, sejam aceitas como naturais e fiquem diluídas nas demais mazelas sociais. Denuncie anonimamente pelo Ligue 180.

Entender o mundo através da ótica onde meninos vestem azul e meninas vestem rosa, onde transgêneros e homoafetivos são vistos como anomalias pecaminosas não ordenará o mundo. A ignorância é a mãe do preconceito e negar a necessidade de tratar todas as pessoas com equidade não faz sumir os problemas, nem a elas! Quando vistos como seres humanos ninguém é diferente e, portanto, cultivar a divisão polarizadora do tipo “nós e eles” só gera mais violência. Até quando?

* Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione

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