ARTIGO: Fundo sem fundos

Como anunciado pela imprensa, mas pouco debatido, o presidente Jair Bolsonaro, usando sua potestade, vetou o repasse de R$ 8,6 bilhões para governadores e prefeitos combaterem a Covid-19. Esses recursos estavam no Fundo de Reservas Monetárias (FMR), gerido pelo Banco Central, e que teve sua extinção proposta pela Medida Provisória n° 909/2019. O FRM foi […]


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Ana Cristina 31/07/2020 08:00 Artigos

Como anunciado pela imprensa, mas pouco debatido, o presidente Jair Bolsonaro, usando sua potestade, vetou o repasse de R$ 8,6 bilhões para governadores e prefeitos combaterem a Covid-19. Esses recursos estavam no Fundo de Reservas Monetárias (FMR), gerido pelo Banco Central, e que teve sua extinção proposta pela Medida Provisória n° 909/2019.

O FRM foi criado pela Lei nº 5.143/1966 e recebia recursos do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para prover o Banco Central de uma fonte de recursos para intervir nos mercados de câmbio e de títulos, além da assistência a bancos. 

Até onde foi possível apurar, ele foi considerado irregular pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pois, além de inativo – pasmem, desde 1988 -, “estava sem objetivo e sem prestar serviço à sociedade após ter seu uso restrito com mudanças legais ao longo dos anos”. 

Ao propor sua extinção, o Governo Federal argumentou: “Não há por que a administração pública dar continuidade ao exercício das atividades relacionadas à administração do fundo, incorrendo em custos sem qualquer benefício que compense tais custos.”

Como também anunciado, o Congresso Nacional transformou a Medida Provisória no Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 10/2020 e estabeleceu que os recursos existentes fossem transferidos integralmente a estados, Distrito Federal e municípios para ações relacionadas ao combate da pandemia e não para reduzir a dívida pública. 

Mas esse desejo parlamentar foi vetado, quando da sanção presidencial da Lei Federal nº 14.007/2020.

Como argumentos para o veto, o Governo Federal alegou, no Diário Oficial da União, “que a proposta dos parlamentares diverge do ato original, o que violaria os princípios da reserva legal e do poder geral de emenda”. Assim como que “o ato criaria uma despesa obrigatória sem previsões de impacto nos próximos anos”.

As reações políticas foram inúmeras.

Neste artigo, limitar-me-ei tão somente a discutir questões contábeis e orçamentárias, pois, mesmo deixando a “profundidade de lado”, eu não poderia ficar calado.

De forma sintética, os fundos especiais foram previstos na Lei Federal nº 4.320/1964, que, em título específico, assim os define: “Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.

Essa lei também estabelece que a aplicação das receitas vinculadas aos fundos far-se-á por meio de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais. Se apurados saldos positivos, esses serão transferidos para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.

A Lei Complementar Federal nº 101/2000, ao tratar da transparência e da gestão fiscal, em seu art. 48, § 6º, estabeleceu que os fundos também devem utilizar sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, mantidos e gerenciados pelo Poder Executivo, resguardada a autonomia.

Até onde pude perceber, um dos motivos que ensejaram o veto presidencial está relacionado a não ser possível utilizar recursos financeiros disponíveis e que foram acumulados em anos anteriores para o financiamento de despesas primárias, pois não haveria receitas primárias para custeá-las. O que ocasionaria déficit fiscal primário.

Em outras palavras, uma fonte financeira de recursos (saldo não utilizado do fundo) não seria uma fonte primária (receita orçamentária primária, ou seja, receita orçamentária não financeira que “é aquela decorrente da atividade fiscal do governo. São exemplos as receitas tributárias, de transferências recebidas de outros entes públicos e royalties”). Sendo assim, não poderia ser utilizada para financiar despesas primárias porque ocasionaria um déficit primário. 

Esse argumento não há de prosperar, pois, por analogia, seria como se uma família que possui recursos em uma poupança acumulada durante alguns anos não pudesse utilizá-los para custear, em uma emergência calamitosa, despesas urgentes com saúde e salvar a vida de seus membros, pois aumentaria a despesa de um exercício sem uma receita para custeá-la. 

Salvo um melhor juízo, e de igual modo, não seria razoável supor, por exemplo, que o superávit financeiro, que serve como fonte de recursos para a abertura de créditos orçamentários adicionais, na forma também prevista na Lei nº 4.320/1964, somente poderia ser utilizado para a amortização de dívida ou, no máximo, na realização de investimentos.

Ora pois, a receita foi auferida pelo fundo em anos anteriores e, consequentemente, a disponibilidade apurada pode ser usada, sim, de acordo com as suas regras em anos subsequentes. Como a destinação dos recursos de um fundo é estabelecida por lei, na sua extinção eventual há de ser a lei – e somente a lei – que definirá como eles serão utilizados, seja para custear ações emergentes que salvarão vidas nos estados e municípios da Federação ou para uma eventual quitação de dívidas por parte da União. Nada mais há dizer.

Se o veto será derrubado pela Casa do Povo, não sei, mas que precisamos discutir essas questões, não há dúvida. Afinal, se há fundos nos fundos, eles podem e devem ser usados naquilo que o povo, por meio de seus representantes legitimamente eleitos, entenda como prioritário.

*Inaldo da Paixão Santos Araújo
Mestre em Contabilidade. Conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor, escritor.
inaldo_paixao@hotmail.com

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