Jornalistas e professores divergem sobre decisão do STF que responsabiliza jornais por fala de entrevistados
Na avaliação de alguns especialistas ouvidos pelo M!, decisão pode ocasionar uma “autocensura” dos veículos
Ao longo de 2023, diversas notícias tiveram grande repercussão no país. Uma delas foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas nas quais sejam imputados falsamente crimes contra terceiros. Pelo entendimento, se um entrevistado acusar falsamente outra pessoa, o veículo poderá ser responsabilizada judicialmente. O Portal M! ouviu jornalistas e professores de comunicação, que divergem sobre a decisão.
O Supremo tratou de um caso especifico ocorrido em 1995, no jornal Diário de Pernambuco. Na publicação, Ricardo Zarattini Filho, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, foi acusado pelo então delegado Wandenkolk Wanderley de ter participado de um ataque a bomba, em 1966, que deixou três mortos no aeroporto de Guararapes. Posteriormente, Zarattini foi inocentado na investigação sobre o atentado e processou o jornal por danos morais.
Na avaliação do jornalista e presidente do Sindicatos dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves, a tese cria uma espécie de “autocensura” por parte dos veículos de imprensa. Ele acredita que, a depender do que sair no acórdão, é possível que os veículos limitem suas entrevistas ao vivo, por exemplo.
“A gente ainda não tem certeza exatamente de qual é a posição final do Supremo. Isso só vai ser obtido no momento em que a gente tiver acesso ao acórdão da decisão. Mas os veículos terão que limitar entrevistas ao vivo, por exemplo. Nós temos uma determinada fonte, essa fonte vai falar ao vivo. Nós podemos entrar ao vivo com essa fonte, mas sob o risco de sofrer um processo judicial, ser responsabilizados pela declaração da fonte. Com isso, os veículos podem, por exemplo, não querer mais fazer entrevistas ao vivo”, avalia.
Moacy Neves, presidente do Sinjorba / Foto: Reginaldo Ipê/Câmara Municipal de Salvador
“A posição da Federação Nacional de Jornalistas, a qual o Sinjorba é afiliado e segue, é de que não pode ser limitado o direito da sociedade à informação. Que os veículos precisam ter um dever de cuidado em relação ao que publicam, isso já é uma realidade, porque já existem formas de se buscar reparação em relação à calúnia, ofensas ou difamação praticada por um veículo de comunicação através da via judicial, com a legislação vigente”, completa Moacy Neves.
Com essa linha de argumentação, ele defende não ser necessário que o “Supremo estabeleça uma nova espada no pescoço dos veículos para impedi-los de fazer o seu trabalho e oferecer esse direito de a sociedade ter acesso a informação”.
Para o jornalista e diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Yuri Silva, é preciso ter equilíbrio nas decisões. Ele ressalta a importância de cumprir a decisão do STF, ao mesmo tempo em que defende o debate sobre a necessidade de regulação dos meios de comunicação no Brasil, como forma de combate às informações falsas.
Yuri Silva, integrante do governo Lula / Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
“Muitas vezes, essas informações não estão nos meios tradicionais, elas estão nas redes sociais. Então é importante também dialogar com as big techs pra construir uma política pública voltada à regulamentação dos meios de comunicação digitais coordenados, dirigidos pelas big techs, pelas grandes empresas de tecnologia da comunicação. Então, a decisão da STF precisa ser cumprida, a decisão judicial se cumpre, mas é importante discutir, do ponto de vista da produção de política pública no Poder Executivo e no Poder Legislativo, como criar mecanismos de aperfeiçoamento para o combate às fake news, sem provocar censura de meios de comunicação”, pontuou.
Possível risco às mídias independentes
Já o professor e vice-diretor da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Washington José de Souza Filho, apontou a possibilidade de uma “autocensura” surgir em consequência da decisão do Supremo, por conta das empresas de menor porte, que vão correr muito mais riscos.
“Imagine um cidadão que tem um problema qualquer com um banco. Se ele não tem recursos para recorrer a advogados, na perspectiva do que é um enfrentamento entre os dois poderes, vai ter muito mais dificuldade do que uma empresa. Então, dentro dessa mesma lógica, quando você pega uma empresa sem grande poder econômico, que está caracterizadamente atuando na chamada mídia independente, ela não tem correlação de força suficiente para fazer um enfrentamento”, enfatizou.
Washington Souza Filho, vice-diretor da Facom / Foto: Reprodução/Facom-UFBA
Avaliando a decisão, o professor também chamou atenção para a forma como a “regulação” será realizada. “E aí se passa o pressuposto de que o jornalismo, pela atuação das suas empresas e dos seus profissionais, seria capaz de propor uma autorregulação. E isso aí eu acho que abre margem para a discussão sobre autocensura”, pontuou.
Apesar disso, Washington Souza Filho defendeu a necessidade de existir “algum tipo de controle”. “Até porque, essa realidade veio pela atuação de diferentes meios. Eu estou usando diferentes meios para caracterizar quem está preocupado com divulgar informação, quem está preocupado em usar a informação para transformar em recursos que são permitidos pela internet, por meio de diversos engajamentos, das diversas formas que você tem de monetização. Então, eu acho que no fundamental, você não pode dizer que você vai ter garantias de que isso vai ser perfeito”.
“Não se dá regulação sem você ter base, sem você ter parâmetros, isso é indiscutível. Qualquer um acha que pode publicar qualquer coisa e, consequentemente, publicar qualquer coisa significa você não reconhecer direitos básicos, do cidadão, da sociedade, do respeito”, complementou.
Espetacularização do jornalismo
O ex-deputado estadual e professor do curso de Comunicação/Jornalismo no Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Luiz Nova, chamou atenção para os princípios da atividade profissional.
“Falando bem objetivamente, jornalismo é notícia. Notícia é informação apurada. Não é só informação, é informação apurada. Falsidade, mentira, não é notícia, não é jornalismo. Então, a princípio, como a gente vê hoje uma espetacularização muito grande do jornalismo em decorrência da questão comercial, a responsabilização por mentiras eu acho que é uma decorrência em qualquer momento. Como o direito de resposta demanda disso, como processos judiciais”, afirmou.
Luiz Nova, professor do curso de Comunicação da UFRB / Foto: Reprodução/UFRB
Nova, que enfatizou não ter conferido a decisão integral do STF, ressaltou que isso “não significa uma concordância integral com a decisão”, e lembrou que em outros casos, já foi determinado o esclarecimento de notícias que não correspondessem à verdade.
“Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco, tinha uma expressão que me marcou muito. Ele dizia assim: ‘O jornalismo hoje está promovendo suicídio de imagem pública’. Como ambiente da disputa, os jornais fazem parte, a grande mídia faz parte, na busca de consolidação de opiniões, de favorecimento a um entendimento ou a outro. Os jornais hoje fazem muito mais espetáculo do que a notícia apurada. Então, eu acho que essa é uma questão para ser refletida”, ponderou.
Como exemplo dessa avaliação, o professor da UFRB citou o próprio caso envolvendo Zarattini. “O caso em si, que provocou a decisão do STF, é uma demonstração clara do espetáculo que se pretendia, que é o caso do Zarattini, que se pretendia em função do combate simples da esquerda. São casos de espetacularização, e é justo ter medidas preventivas contra essa degeneração do jornalismo. Porque eu reafirmo aquele princípio: se jornalismo é notícia, e notícia é informação apurada, é lógico que uma mentira, que uma inverdade, não está dentro do jornalismo”.
Outro ponto destacado por Luiz Nova é como ocorrerá a comprovação da responsabilidade pela veiculação das matérias. Como exemplo, ele citou uma eventual entrevista de uma personalidade federal.
“Se ele dá uma declaração e ela se revela uma mentira, você não mentiu – a sua fonte mentiu. Então, tem certas nuances da prática cotidiana do jornalismo que não vi ficar claro até agora. Eu ainda não fui atrás da decisão [do STF] para esclarecer esses aspectos. Na minha opinião, se é uma fonte, que é uma representação pública de uma instituição pública, esse representante tem compromisso com a verdade. Se eu faço uma entrevista com ele, e ele dá uma declaração que eu publico, e ela se revela mentirosa, foi uma responsabilidade minha? Eu entendo que ele tem uma assinatura de fé, fé pública, porque ele representa uma instituição pública. Então, tem certas questões que precisam ser esclarecidas”, enfatizou.
Decisão se equipara à PL das Fake News
Já a jornalista e professora adjunta da Facom na UFBA, Malu Fontes, observou que a decisão do Supremo se equipara à chamada PL das Fake News, travada no Congresso Nacional. “Busca aplicar às redes sociais, tornando-as responsáveis por calúnias, difamação, tudo de errado, criminoso ou ilegal, que as redes publicam”.
Ela citou, como exemplo hipotético, o caso em que um deputado faz a denúncia de um colega de Congresso, da bancada de oposição. “Diga que ele enriqueceu ilicitamente, que ele participou de licitações assim ou assado, que participou de grupos para lavagem de dinheiro. E diga isso a um jornal, numa entrevista. E se o deputado, que é objeto destas denúncias, se sentir prejudicado e achar que aquilo é calúnia, difamação, ele, por esse novo ponto de vista determinado pelo Supremo, processa a quem disse isso e juntamente, em condições de igualdade, o veículo que publicou. E isso é muito sério porque isso equipara”, analisa.
Malu Fontes, professora adjunta da Facom / Foto: Reprodução/Redes Sociais
Na avaliação da jornalista, o ponto de diferenciação está no fato de que as plataformas precisam, de alguma forma, serem responsabilizadas pelo que escolhem manter no ar. Ela lembrou do caso envolvendo o hacker que invadiu o perfil da primeira-dama, Janja da Silva.
“Olha o tempo que levou. E é uma mulher pública, que tem acesso aos melhores advogados do país, à máquina do Estado. E aquele conteúdo do hacker atingia diretamente o presidente e outros nomes públicos. Então, veja a dificuldade que ela teve para tirar aquilo do ar, para apagar, mesmo sendo um crime evidente contra a honra dela e das pessoas citadas”, pontuou.
Por sua vez, nos casos envolvendo o jornalismo, Malu aponta que o problema se dá porque existe uma tentativa de responsabilização do profissional responsável por veicular uma eventual notícia/denúncia, mas não da pessoa que seria a portadora da informação. Como exemplo, ela citou o episódio em que Pedro Collor de Mello denunciou o “esquema PC Farias”, que incluía seu próprio irmão, o então presidente Fernando Collor de Mello.
“Se Pedro Collor, como foi no passado, denuncia o irmão e chama-o de corrupto e conta uma série de coisas, Collor, se hoje fosse, processaria o jornal, não apenas o irmão. E isso, para o jornalismo, é péssimo. É muito ruim e vai induzir, sim, a uma autocensura. Isso não é censura, nem censura prévia, isso é uma imposição de uma autocensura com o cuidado que os veículos terão de não serem punidos e responsabilizados financeiramente e juridicamente”.
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