Janeiro Branco: psicólogo define ‘relações líquidas’ e explica como elas interferem na saúde mental

O Janeiro Branco é uma campanha lançada em 2014 voltada para a saúde mental da população. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que, em 2022, quase 1 bilhão de pessoas viveram com algum tipo de transtorno mental. Os números são o resultado da influência de diversos fatores relacionados a questões sociais e ao desconhecimento a respeito dos múltiplos universos da saúde mental.

Com o medo e o isolamento social ocasionados pela pandemia de Covid-19, a situação foi agravada. No Brasil, inclusive, o Ministério da Saúde aponta a prevalência de depressão ao longo da vida em mais de 30 milhões de pessoas. O país lidera o núomero de casos da doença na América Latina, segundo a OMS.

Para tratar da saúde mental e seus diversos aspectos, o Podcast do Portal M! recebeu o psicólogo e neuropsicólogo Gustavo Caribé. Ele é mestre e doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), além de ser professore e especialista em Saúde Mental e Dependência Química e em Atenção Integral aos Usuários de Substâncias Psicoativas.

Caribé começou o bate-papo explicando o conceito da tão desejada saúde mental. Segundo ele, há diversas definições, contudo, a mais aceita atualmente é a estipulada pela OMS: saúde mental é o completo bem-estar bio e psicossocial, ou seja, biológico, psicológico e social. Entretanto, o psicólogo destaca que este conceito já vem sendo contestado.

“Um completo bem-estar nessas três esferas da vida é algo que se aproxima da perfeição. Entretanto, entendemos saúde como um estado de equilíbrio, pois apesar de entender que a saúde engloba esses fatores, nós sempre vamos ter uma lacuna para preencher em alguma situação. A saúde mental e estrutura nesses três pilares, no entanto, buscando sempre um equilíbrio entre eles. Na saúde mental, os extremos são perigosos”, explicou.

Dentre os assuntos tratados com o especialista na busca pelo equilíbrio mental, está a colaboração das redes sociais no processo de isolamento de adolescentes e jovens adultos. Segundo o psicólogo, as redes têm aspectos positivos, como garantir espaço para o compartilhamento de informações e para a visibilidade das pessoas, contudo, as mídias sociais acabaram se tornando, em boa parte, uma vitrine de um estilo de vida, do que se quer ser, e não do que se é. Desta forma, o ambiente se torna propício para a construção de relações irreais e, portanto, frágeis.

“Nas redes sociais, se enaltece muito mais o que se tem do que o que se é. É justamente aí que as relações ficam ‘líquidas’, pois ‘eu não sou, eu tenho’. Enquanto eu tenho, pessoas que se interessam apenas pelo que eu tenho vão se aproximar de mim. No momento em que eu deixo de ter ou de  ofertar o que eu tenho, as pessoas vão se afastar. As relações ganharam uma função de objeto”, detalhou.

Nesse ponto, os jovens são significantemente afetados, pois são mais expostos a essa forma de socialização em um nível incessante. Além disso, nas redes sociais, a quantidade de pessoas atingidas é bem maior do que na academia, na escola ou na faculdade.

“Você tem 10 mil pessoas conectadas em algum nível com você, mas destas, quantas você conhece de verdade? Isso tudo torna as relações cada vez mais líquidas. As redes sociais possibilitam as pontes, mas não dão recursos para a sustentação delas”, afirmou.

Outro problema destacado pelo especialista são os algoritmos, que acabam por determinar os conteúdos aos quais o usuário tem acesso ou não. Se a pessoa expõe não o que ela é, mas o que ela tem ou gostaria de ter/ser, ela não encontrará relações com ideias e perfis similares aos dela.

“Eu tenho o perfil de uma pessoa que tende a postar fotos desnudas, sempre mostrando o corpo. Um grupo de pessoas que se interessam por aquele tipo de postagem vai passar a seguir essa pessoa. Se ela, por outro lado, tiver interesse em alguém diferente desse mundo, isso vai ser muito difícil, pois a informação que ela está passando naquela mídia social é justamente a de que ela prioriza a aparência e o corpo. Isso acontece pois os seres humanos se organizam em grupos pares, o que significa que eu vou me identificar com os meus semelhantes. Nesse sentido, os algoritmos das redes sociais trabalham exatamente dessa forma […] Assim, elas reúnem um agrupamento de pessoas que, consequentemente, vão passar mais tempo na rede”, exemplificou Gustavo Caribé.

Confira o podcast na íntegra: